Por Ramiro Faria
Um fenômeno tão antigo quanto o mundo, em pouco mais de uma década, mudou de cara. A violência é hoje diferente do que sempre foi. Agora ela é banal, funciona como meio de expressão (especialmente entre os jovens) e ocupa o espaço deixado pela falta de valores sólidos. Na história de nosso eólico arraial, desde que se há notícias que gente habitava por aqui, existiram as figuras funestas que invadiam as mentes de nossos antepassados, aterrorizando-os com seus crimes bárbaros.Foi assim pelos idos de 1780, quando a quadrilha de Joaquim Joze de Castro assombrava as famílias do recém formado povoado com roubos e assassinatos. Logo foi a vez de Januário Garcia Leal, que morou em Ventania entre 1799 e 1802 e que, segundo o historiador Iglair Lopes, teve seu caso medonho contado ao rabo do fogão por muitos e muitos anos. Esse personagem se tornou famoso e temido na região por haver levado a cabo uma fria vingança pela morte do irmão João Garcia Leal, perseguindo, matando e cortando as orelhas de seus sete algozes, formando com elas um macabro colar, o que lhe rendeu a alcunha de “Sete Orelhas”. Já no final dos anos 70 do século XX, foi a vez da população alpinopolense se aterrorizar com a passagem por nossas terras de Ramiro Matildes Siqueira, o Bandido da Cartucheira, que causou pânico e histeria em várias partes do estado de Minas Gerais em virtude dos vários latrocínios que cometeu. Por aqui, o povo se fechava nas casas com medo dos atos violentos do bandoleiro que executava, com arma de fogo, famílias inteiras. Na década de 80, a intensificação da exploração da pedra mineira fez com que se instalassem na cidade vários empresários do ramo que, junto ao empreendimento, trouxeram a mão-de-obra para executar o garimpo. Muitos desses trabalhadores, que permaneciam isolados no ermo das jazidas de quartzito (geralmente no alto das serras), eram foragidos da justiça e, em algumas oportunidades, chegaram a praticar ações meliantes em nossas terras. Apesar dos desarranjos sociais que esse processo migratório causou em Alpinópolis, o tempo passou e fomos poupados da ação contínua de maiores facínoras, apenas sendo palco de algum crime hediondo vez ou outra, porém nada que fugisse do padrão de municípios do mesmo porte, podendo ser perfeitamente possível classificar nosso vendavalesco povoado como um lugar tranqüilo. O que considerávamos violência urbana era algo que vinha de fora, das grandes metrópoles brasileiras.
Há menos de uma década, porém, vimos essa violência urbana encontrar atalhos e se instalar nas cidades interioranas do país e, notadamente em nossa Alpinópolis, em meados de 2006 por virtude de vários problemas de ordem social agravados pela crise das pedreiras. No final de 2011 um levantamento realizado pelo Instituto Sangari, apontou nosso município entre os quatro mais violentos da região. Seguramente o que contribuiu para essa vergonhosa classificação foi a ramificação do crime organizado, que se instalou com facilidade dentro de nossa pacata cidade através do pesado braço do tráfico de drogas. Esse estudo, denominado Mapa da Violência 2012, foi elaborado com o objetivo de apurar a real dimensão do problema no Brasil para que governos, com base nos dados da pesquisa, pudessem criar políticas públicas de enfrentamento e combate à violência. E diante dessa realidade, estatisticamente comprovada, o que as autoridades alpinopolenses tem feito para combater o problema? As providências tomadas até agora são eficientes e diminuem a violência no município? Existem medidas efetivas que estanquem a criminalidade ou apenas ações que maquiam o rosto do problema? A nosso ver, apesar dos esforços e da boa vontade de muitos, estamos errando grosseiramente o alvo, deixando a situação se agravar e chegar a um patamar insustentável.
Recentemente foi realizada uma audiência pública para tratar do problema, porém o que pudemos ver durante o evento, foi um pueril jogo de empurra-empurra, onde as vaidades novamente afloraram e os inflados egos buscavam os beneplácitos dos presentes. Não houve humildade por parte de nossos dirigentes para reconhecer que TODOS são culpados, que somente a união de esforços e um planejamento sociológico poderão atacar o problema. A audiência foi aberta pela Presidente da Câmara de Vereadores e, já de início, estranhamos a falta dos titulares do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Civil, havendo estes enviado representantes que pouco contribuíram para o debate. Com a mesa composta, começou o festival de “embromations” onde autoridades do executivo e do legislativo repetiram discursos enjoativos, recitaram ações de suas respectivas alçadas para amenizar a questão e sugeriram medidas paliativas que poucos resultados reais trariam para a solução do problema. Logo após houve, por parte de agentes da Polícia Militar e Polícia Civil, uma exposição das medidas repressivas que estão sendo executadas na cidade, demonstrando os procedimentos e apresentando números das operações. Depois, foi a vez da população fazer valer sua voz e, como sempre, foi daí que brotou a mais sólida contribuição que apontaria para propostas viáveis, merecendo destaque os pronunciamentos de uma professora que reivindicou investimentos em educação e o de um jovem ativista político que contestou a falta de um planejamento sustentável no âmbito social. Ao final, a audiência foi encerrada com uma declaração um tanto curiosa da comandante do Poder Legislativo que afiançou haver sido aquela reunião um ‘grande passo’ para extinguir esse drástico impasse. Estamos todos, até agora, em busca dessa magnífica passada que foi vista, única e exclusivamente, por ela.
Parece que nossos governantes ainda não entenderam que precisamos de propostas reais para combater um problema real. A violência, antes presente apenas nas grandes cidades, chegou a Alpinópolis, e isso ocorreu à medida que o crime precisou buscar novos espaços e achou por aqui terreno fértil. Além das dificuldades das instituições de segurança pública em conter esse processo de interiorização da violência, a degradação de vários segmentos em nossa cidade contribuiu decisivamente para sua ocorrência. Pode não parecer, mas temos um alto índice de pobreza em Alpinópolis (segundo o IBGE alcança 31,5% da população) o que gera uma considerável desigualdade social. O crime organizado, ao contrário dos dirigentes de nossa cidade, está muito bem informado sobre esses dados estatísticos e viu em Alpinópolis grande potencial para ampliação de seus negócios. Nossa ciclônica urbe apresenta atualmente ramificações das principais facções criminosas da cidade de Passos, as quais, seguramente, identificaram a ausência de políticas públicas voltadas para o social (educação, esporte, lazer, cultura, etc) o que, evidentemente, tornaria sua atuação no local muito mais fácil. A função do estado é prover aos cidadãos as condições para viver de forma digna, mas o que temos visto é um governo desorganizado que abre espaço para o crime organizado, uma vez que, os acertos deste dependem dos erros daquele. E como superaremos isso? Há diferenças na visão das causas e de como suplantá-las, mas podemos afirmar que essa onda de violência que assola Alpinópolis é algo evitável, desde que políticas públicas adequadas sejam colocadas em ação. É preciso atuar de maneira eficaz tanto em suas causas primárias quanto em seus efeitos. É preciso aliar essas ações repressivas que temos acompanhado nos últimos dias a políticas sociais que reduzam a vulnerabilidade (sobretudo de nossos jovens) ao aparato criminoso. Não pretendemos oferecer respostas fáceis, nem imediatistas, pela simples razão de que não existem soluções mágicas após décadas de atitudes negligentes e ineficazes por parte das autoridades locais. Porém, o ponto de partida, podemos apontar sem medo de errar: INVESTIMENTO NA EDUCAÇÃO. Nossas escolas não podem continuar sendo um espaço meramente de encontros de crianças e jovens com profissionais do ensino, na busca somente de conhecimentos científicos.
Deveriam ser transformadas em espaços hermenêuticos, onde todos os envolvidos trabalhassem o conhecimento e a reflexão, estando preparados para atuar com processos de convivência humana, reforçando valores éticos e de solidariedade na construção da cidadania. Isso pode se tornar uma realidade por aqui, basta que haja uma série de ações voltadas para a adequação do sistema educacional. Podemos citar como exemplos dessas ações a valorização do sofrido professor, o investimento na infraestrutura da rede física e a promoção de mudanças de métodos obsoletos que já não permitem o fortalecimento do elo escola-família. Partindo então de uma escola forte, poderemos trabalhar em conjunto (poder público, comunidade escolar, conselho tutelar, conselhos municipais, associações de bairro, associações culturais, grêmios esportivos, etc), concebendo a educação em um todo social, com ações coletivas de combate a essa violência que vem massacrando nossa Ventania.
Encerraremos esse artigo conclamando nossas autoridades a calçar as sandálias da humildade e singelamente buscar ações agregadas para solucionar essa capital contenda. Imploramos que se esforcem para entender que a violência é um ciclo que começa e termina nele mesmo, sem benefício para ninguém, e precisa urgentemente ser interrompido. Não deixemos nossa cidade a mercê de bandidos que, por não nutrir por ela nenhum amor, estão a transformá-la em um sítio infernal. Dante Alighieri, em sua “Divina Comédia”, descreveu o limiar do inferno como um grandioso portal onde se podia ler a mensagem: “Deixai toda esperança, ó vós que entrais”. Recusamo-nos a enxergar nossa amada Ventania pelo vértice dessa alegoria dantesca. Nós não perdemos a esperança e não chegaremos ao extremo de sugerir que, em virtude da violência que se abateu sobre a cidade, essa frase seja escrita em letras garrafais no pórtico que o amarelo prefeito prometeu construir na entrada de Alpinópolis. Mas gostaríamos que providências pragmáticas fossem tomadas para que, ao menos subliminarmente, pudéssemos ler nas entrelinhas do porvindouro portal, os versos de Chico Buarque, dando a todos seu bom conselho: “Eu semeio vento na minha cidade...Vou pra rua e bebo a tempestade”.
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