Na época, os mais ricos acharam que, esse livro, servisse para ensinar ao Duque como tirar deles todas as riquezas, e os mais pobres julgaram "O Príncipe" como um documento destinado a orientar aos ricos como tirar a liberdade dos pobres. É certo, porém que, até hoje, ele tanto serve de manual de instruções, ou livro de cabeceira, aos governantes de plantão; como também, permite às camadas populares uma melhor percepção do que é capaz de fazer um político ganancioso, ainda no tempo presente, para conquistar ou para se perpetuar no poder.
Do início ao fim do livro, Maquiavel, para quem a finalidade da arte política é a manutenção do poder, induz aos governantes às decisões ditadas pela força. Impera a chamada lei do mais forte ou mais esperto. Suas idéias os recomendam a assumirem suas "feras", ou seja, a adotarem praticas animalescas; nas ações agressivas, na demarcação territorial, no ritual e no estabelecimento da hierarquia social - funções do instinto animal geradas no complexo réptico, parte cerebral mais primitiva. O poder maquiavélico consiste num poder sub-reptício, onde suas intenções e finalidades são dissimuladas, utilizando-se de meios secretos e ocultos, imorais, agressivos e perversos para alcançarem seus objetivos.
Isso demonstra que o autor, com essas idéias possa ter reforçado, em alguns aspectos, a tradição do pensamento antigo, em detrimento da ciência moderna. Ele não leva em conta as raízes sociais e econômicas dos conflitos no interior das formações sociais enfocando apenas as disputas do poder pôr príncipes - a disputa do poder pelo poder - tratando o cidadão comum como cidadão-soldado, distinguindo-o do cidadão-príncipe, esse sim, tratado como moralmente virtuoso, o que não reconhece a validade da organização popular e de massa em busca de igualdade de direitos.
Para muitos Maquiavel, nesse livro, expressa apenas a realidade vista e analisada pôr ele. Mas poderíamos perguntar; O que fez Maquiavel para mudar o comportamento submisso do povo?
Ao contrário disso ele pregou uma série de idéias para se conservar a dominação; "...não há coisa mais difícil de se fazer, mais duvidosa de se alcançar, ou mais perigosa de se manejar do que ser o introdutor de uma nova ordem, porque quem o é tem pôr inimigos todos aqueles que se beneficiam com a antiga ordem, e como tímidos defensores todos aqueles a quem as novas instituições beneficiam." ( * Capitulo VI )
Num aspecto, no entanto, Maquiavel foi revolucionário; Ao abordar sobre a relação entre a política e a religião. Para muitos, essa obra é considerada uma idéia lunática, atéia e satânica, devido à convicção do autor de que a tomada e conservação do poder é a única finalidade da política, e não provém de Deus e muito menos da sucessão natural de hierarquias fixas. A proliferação dessas idéias pode ter obrigado aos governantes a apresentarem novas justificativas para a ocupação do poder assumido.
As teorias medievais eram teocráticas e o renascimento procurava evitar a idéia de que o poder seria uma graça ou uma dádiva de Deus, entretanto, embora o autor critique a teocracia, não consegue negar a idéia cristã, de que o poder político só se torna legítimo se for justo, e que só será justo se estiver de acordo com a vontade divina. Maquiavel, no entanto, distinguiu o principado eclesiástico, possivelmente como uma forma de contornar o confronto com a Igreja enquanto instituição. De qualquer sorte, quanto ao pensamento teocrático, a obra de Maquiavel é destruidora e transformadora.
Muito embora as concepções de Maquiavel tenham sido fundadas na sua experiência, no seu tempo; pois ele viu muitas lutas, ascensão e queda de governos em grandes cidades; não podemos afirmar que, essas reflexões, tenham contribuído de forma intencional, na construção de uma nova sociedade, ainda que a transparência de sua abordagem deixasse evidente de que isso tornar-se-ia necessário.
Seu pensamento político apresenta respostas, tais como:
1.– Não admite um fundamento interior à política;
2.– Não aceita a idéia da comunidade constituída para o bem comum e a justiça;
3.– Recusa a figura do bom governo encarnada no dirigente portador de virtudes morais;
4.– Não aceita a divisão clássica da monarquia, aristocracia, democracia e suas formas corruptas. Para Maquiavel, o critério para avaliação de um líder, é a liberdade.
O sistema feudal vinha sendo substituído, na Europa, pelo modo de produção capitalista, sucedendo as soberanias pelas monarquias, centralizando o poder em Estados Nacionais, que aspiravam ao fortalecimento, à exceção da Itália, onde sua unificação era dificultada pôr pequenos Estados, que promoviam guerras entre si; ao passo em que os grandes; como Milão, Veneza, o Papado, Florença e Nápoles; estabeleciam alianças com os outros países, deixando-a entregue à sorte das armas.
Os Estados são classificados, pôr Maquiavel, como repúblicas ou principados, hereditários ou novos, estes conquistados ou recebidos. Maquiavel, distingue ainda os principados eclesiásticos, que, segundo ele, são mais difíceis de serem conquistados, pois são pelo mérito e se sustentam na rotina da religião.
Analisando os principados civis ele diz em "O
príncipe" que um príncipe novo é muito mais vigiado que um hereditário, pois
os homens são mais presos ao presente que ao passado. Ele procura demonstrar
que, nos Principados hereditários, é suficiente conservar o procedimento dos
governos antecessores e contemporizar as novas situações, para se manter o
poder. Enquanto que nos conquistados, para que sejam suscetíveis à dominação,
não podem ter suas leis e impostos modificados, nem a presença da
linhagem do antigo príncipe. "...Cesare Borgia, vulgarmente chamado duque
Valentino... ...receava... ...que o papa... ....procurasse tomar de volta aquilo
que Alexandre lhe dera. Contra isso, procurou garantir-se de quatro modos:
1....eliminando todo o sangue dos senhores que havia
espoliado...., 2...atraindo para o seu partido todos os
gentis-homens de Roma..., 3....controlando o máximo possível os votos no
Colégio... , 4....conquistando tanto poder antes da morte
do papa, que pudesse pôr si mesmo resistir a um primeiro ataque." ( *
Capitulo VII).
Caso se torne senhor de uma cidade habituada a
viver livre, ou seja com várias concepções políticas entre seus habitantes e
lideranças emergentes, é necessário destruí-la para não ser destruído pôr
ela, porque ela sempre invocará, na rebelião, o nome de sua liberdade e de sua
antiga ordem. "...nas republicas há mais vida, mais ódio, mais desejo de
vingança." ( * Capitulo V). Um recurso útil, para manter o controle pôr um
principado conquistado, é ir habitá-lo, para tornar-se acessível ao povo
em casos amistosos, tornando assim, próximo para ser amado ou odiado, conforme o
caso.
Há dois modos de se governar, para Maquiavel: com necessidade de outrem, auxiliado de ministros, que no governo são apenas servos, que o exercem pôr graça ou concessão do senhor; ou pôr si mesmos, pôr um príncipe e barões os quais, não pôr favor do senhor e sim pôr tradição de sangue.
Um homem prudente deve sempre seguir os caminhos abertos pôr grandes homens e espelhar-se nos que forem excelentes, pois mesmo numa imitação falha, há muita coisa para ser aproveitada.
É melhor que introduzir uma nova ordem e desagradar aos que se beneficiam da antiga correndo o risco de ficar isolado.
Os que, pela virtude, antes se fazem príncipes, conquistam com dificuldade, mas com facilidade o conservam, atendendo a máxima de que todos os profetas armados vencem, ao passo que os desarmados fracassam. Contudo, há duas formas de chegar ao poder: Pelo golpe ou pelo apoio do povo. Quem se torna príncipe pela vontade popular precisa manter-se amigo do povo, quem obtém de outra forma precisa conquistar-lhes a amizade.
As principais bases que os Estados possuem: novos ou velhos, mistos ou não, são boas leis e bons princípios. Não existem boas leis onde não existam boas armas. As mercenárias e auxiliares são inúteis ou perigosas. "Quem tem o seu estado baseado em armas mercenárias jamais estará seguro e tranqüilo,..." ( * Capitulo XII). Os príncipes de prudência repeliram sempre tais forças, antes perder com as suas que vencer auxiliados pôr terceiros.
Maquiavel disse que não convinha o uso de forças de aliados numa guerra, pois se perdesse a guerra estaria abatido pelo inimigo e se vencesse ficaria prisioneiro dos aliados. Segundo ele, seria menos perigoso o uso de tropas mercenárias, ainda que essas, pela sua natureza, apresentassem o perigo da covardia. Em suma, Maquiavel concluiu que seria melhor perder somente com suas tropas que vencer auxiliado pôr terceiros. "...somente os príncipes e as republicas armadas fazem progressos imensos, enquanto que exércitos mercenários trazem apenas danos." ( * Capitulo XII)
Deve o príncipe não ter outra finalidade nem outro pensamento, senão a guerra, seu regulamento e disciplina, pois é a única arte que se atribui a quem comanda. "O príncipe apenas terá adiada a sua derrota pelo tempo que adiado o ataque, sendo espoliado pôr eles na paz e pôr inimigos na guerra." ( * Capitulo XII).
Um príncipe não pode seguir todas as coisas de que são obrigados os homens bons. Para conservar o seu Estado, muitas vezes, é obrigado a agir contra a caridade, a fé, a humildade e a religião. Ele precisa ter duas razões de receio: Uma de origem interna, da parte de seus súditos, outra de origem externa, da parte dos de fora. Não tem porque temer as conspirações se ele é querido do povo, porém se não for, deve-se temer a tudo e a todos. "...O príncipe que tiver mais medo do povo que dos estrangeiros deverá construir fortalezas; mas o que tiver mais medo de estrangeiros do que do povo deverá deixá-las de lado...". "...A melhor fortaleza que existe é não ser odiado pelo povo..." (* Capitulo XX)
Um príncipe que tenha uma cidade forte e não seja odiado pelo seu povo não pode ser atacado e ainda que fosse não seria derrotado. "...os homens são inimigos de empreendimentos em que vêem dificuldades e não se pode ver facilidade em atacar alguém que tenha suas terras fortificadas e não seja odiado pelo povo." ( * Capitulo X )
O Príncipe não precisa absolutamente se preocupar com a fama de cruel, "...não se afastar do bem, mas saber entrar no mal, se necessário." ( * Capitulo XVIII). A crueldade é necessária para se mantêm seus súditos unidos, obedientes e disposto à lutar. Para contrabalançar basta ir empregando de modo conveniente, aos pouquinhos, demonstrações de que é piedoso, "Deve parecer... ...todo piedade,... ...fé,... ...integridade,... ...humanidade e... ...religião." ( * Capitulo XVIII), para ser considerado como mais piedoso do que todos aqueles que, pôr muita piedade, perdem o controle, deixando evoluir as desordens. Assim, será considerado piedoso e não cruel. "...todo príncipe deve desejar ser considerado piedoso e não cruel;... "( * Capitulo XVII). Contudo, deve evitar exceder-se, para não despertar o ódio. "...é mais sábio ficar com a fama de miserável, que gera uma infâmia sem ódio, do que, pôr desejar o renome de liberal, precisar incorrer na fama de rapace, que gera um infâmia com ódio." ( * Capitulo XVI). Os homens, em geral, julgam as coisas mais pôr olhos que com as mãos, porque todos podem ver, mas poucos podem sentir.
É prudente não desarmar os seus súditos, mas armá-los, para que os defendam, exceto quando se trata de um Estado novo, recém conquistado. Quanto as fortalezas, são boas ou não, conforme as circunstâncias, mas a melhor fortaleza é não ser odiado pelo povo. "...louvarei quem fizer fortalezas e quem não as fizer também; e reprovarei quem quer que, confiando nas fortalezas, pouco se preocupar pôr ser odiado pelo povo." (* Capitulo XX)
Os homens têm menos receio de ofender a quem se faz amar do que a outro que se faça temer, pois o amor, segundo Maquiavel, é rompido sempre que lhes interessa, enquanto o temor é mantido pelo medo ao castigo. "...como os homens amam segundo sua vontade e temem segundo a vontade do príncipe, deve este contar com o que é seu e não com o que é de outros, empenhando-se apenas em evitar o ódio,..." ( * Capitulo XVII). Não confundir temor com ódio; "...é muito mais seguro ser temido do que ser amado,.." é no entanto, " ... perfeitamente possível ser temido e não ser odiado ao mesmo tempo..." ( * Capitulo XVII).
Deve um príncipe mostrar-se amante das virtudes e honrar aqueles que se destacam numa arte qualquer. Ao mesmo tempo deve punir severamente e de forma exemplar aquele que errar, ou seja; que pratique atos não desejáveis pelo príncipe. Assim, o príncipe expõe à observação dos homens que estão ao seu redor, aquilo que lhe agrada e o não lhe é aceito.
O príncipe precisa ainda de canais para conhecer a verdade, sem contudo dar poder a eles. "...não te ofendem, (os homens) ao dizerem a verdade. Se, porém, todos a puderem dizer, te faltarão com o respeito." ( * Capitulo XXIII). Já o ministro será bom se não pensar em si mesmo, mas no príncipe. "...os bons conselhos devem brotar da prudência do príncipe." ( * Capitulo XXIII). Os conselhos, venham de onde vierem, nascem da prudência do príncipe, e não a prudência do príncipe de bons conselhos. "Deve escolher um sábio e conceder-lhe livre arbítrio para lhe dizer a verdade quando o príncipe quiser saber." ( * Capitulo XXIII).
Pensa-se, naturalmente que as coisas do mundo são dirigidas pela fortuna e pôr Deus, de modo que a prudência não as corrige nem remedía. Pôr outro lado, a doutrina suscitou a reação do antimaquiavelísmo político consistente na necessidade de conciliação entre a norma política e moral.
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